Eu amava aquela calça jeans. Parecia que fizeram pensando em mim. Diante
do espelho, ela enfatizava minha beleza, como se eu precisasse dela para ser
mais bonita. E pelas fotos, talvez eu precisasse, mas não só dela, e sim do
conjunto inteiro.
Um dia ela parou
de me servir, não lembro bem se consegui substituí-la ou se meu corpo (ou gosto)
mudou. Sei que de repente, ela se tornou dispensável. Separamos-nos vagarosamente,
ambas não gostamos de despedidas. Fingimos que nada estava acontecendo em nossa
relação. Tvia, de fato, algo acontecia. Não somente nosso afastamento, mas
nossa relação estava abalada.
Eu não sentia mais aquela atração em usá-la, muito menos admirava
seu corte e sua costura, seu modelo me dava náuseas. Aquelas bocas de sino
bregas, eca! E a cada lavagem, a calça parecia ter um novo tom de azul. Assim
sendo, ela foi ficando ali, no fim da fila, a última da pilha.
E eu a esqueci. Nossa relação morreu ali. Eu consegui superar o
fim antes mesmo de acabar. Nada que uma nova calça não pudesse resolver. Contudo,
eu não contava em ter que tratar desse assunto novamente, o que passou morreu quem
vive de passado é museu. E então minha mãe me coloca num impasse, eu precisava
dar um rumo para a calça. - Poxa, porque ela não pode ficar ali? Para sempre?
Guardadinha? - resmungava mentalmente. Mas a questão é: ou usa ou doa. Ah, isso
me doeu.
Tá, eu sei que nossa relação acabou, mas aquele instinto animal de
poder sobre o outro, me corroí. Estamos separadas, mas ela não precisa vestir
outra mulher, e o que vivemos juntas? E todos os elogios que recebi enquanto
ela cobria minhas coxas, panturrilhas e glúteos? Será que se eu voltar a usar
resolverá alguma coisa? Não custa nada tentar.
Custa sim, na verdade custou muito. Custou meu amor. A calça não
passa nem do joelho. Estou querendo enganar quem? Eu ou a calça? Ela foi bem
clara comigo: não te quero mais. Devo aceitar, eu quis assim, eu provoquei tudo
isso. Tudo é culpa minha. Quantas pizzas estão entulhadas nessas coxas grossas?
Quem sabe, o tempo que ela passou guardada, fez com que encolhesse, ou foi o
sabão em pó.
Ela passou tanto tempo guardada, que eu nem lembrava mais, de quão
bonita era. Veja só, nos dias de hoje, suas bocas de sino são super “vintage”.
Seu jeans desgastado, fino e de coloração desbotada é pura moda. As novas calças são vendidas, com a
coloração desbotada propositalmente.
Eu falei do zíper invisível? Sim, aquele horrível de fechar. Quantas
mulheres procuram calças com esse zíper e não encontram... Tudo porque a
personagem da novela das nove usa. E olha que o zíper é “invisível”, imagina o
que aconteceria se ele fosse “visível”? Elas ameaçariam as mães das costureiras
de grandes grifes?
E ela aqui, bem na minha gaveta. Sofrendo calada...
Chego agora, no momento mais doloroso da história, a decisão. Será
que vou deixar outro corpo “sensualizar” com a MINHA calça por aí?
Pensando bem, acho que a melhor coisa que posso fazer é doar... –
Tudo bem, tudo bem, eu posso compartilhar esse tesouro. Que a dona do próximo
corpo que entrar nessa calça, seja muito feliz. Desejo felicidade, porque a
beleza está garantida.