- Moça, você pode me informar, que horas são?
"Nossa, quanta educação! Admito que estou mal acostumada. Acomodada com agressões de baixo calão e desrespeito contínuo. Entendo que me respeitar e ser educado, sejam critérios para seu trabalho, mas não é todo dia que sou tratada assim. Isso porque terminei meu romance ontem, pela noite. Só que, mesmo quando estávamos juntos... Estávamos.
Nossa, consegui conjugar o verbo no tempo mais doloroso de todos, confesso que esse acento agudo no primeiro a, parece muito com aquela faca que está atolada no meu peito. Tanto é que, preciso dar uma pequena pausa na hora de pronunciar a sílaba tônica, e é nesse curto espaço de tempo, que sinto aquela dor fina que parece gostosa, mas não é. É mais ou menos assim: Es-tá-porque você fez isso comigo? o que vou fazer agora? eu não mereço isso-va-mos.
Meus olhos estão ficando lubrificados... 
Oh! Não creio. Alguma disfunção hormonal, está fazendo meus olhos produzirem mais lubrificantes do que o necessário, e agora o excesso está deslizando pelo pterígio, e transformando-se em gotas. Parem, gotas malditas! Parem! Eu queria mesmo, é que as gotas penetrassem, nesses poros abertos da pele oleosa e rosada, das grandes bochechas que nasceram, no meu lindo rosto. 
Será que isso é o efeito colateral, das lembranças de ontem? Ou é a emoção de conseguir pronunciar o verbo estar, do latim namorar, casar ou ficar, na primeira pessoa do plural, no pretérito imperfeito? Perfeito, era assim que eu achava. Um amor perfeito. Tente abstrair-se daquele realismo chato de que 'nada é perfeito', ok?
Pudera até não ser, mas parecia muito. Não é assim tão complicado, afinal, aconteceu. Eu já nem preciso, sentir que perdi. Sou nova, estou na pista. Dele? O que vier é lucro. Menos as palavras, no vácuo das coisas que a gente disse, saiam faíscas, espadas, balas e shurikens em todas as direções. Uma lâmina acertou meu peito, e de passado não vou viver mais. 
Ufa, a goteira dos meus pterígios cessaram! Como se não bastasse, agora meus lábios estão ressecados, parece até que estão latejando, em perfeita sincronia com meus batimentos cada vez mais acelerados. Preciso esticá-los. 
Oh! Não... Ele pensa que estou seduzindo-o. E agora? Pensa rápido, pensa rápido... Vou olhar para o céu, procurar uma desculpa esfarrapada nas estrelas. Veja só, o céu não está estrelado. Mas o que é aquilo ali? Parece que estou num altar, ou melhor, um palco de teatro. Vocês são a platéia entediada e silenciosa, eu sou a protagonista, coadjuvante dos meus pensamentos, meu ex amor é o antagonista e ele é o mocinho galante. Esse foco de luz, animou sentimentos, vou espalhar meu amor por aí. 
Meu pescoço está dormente, ainda não encontrei uma desculpa esfarrapada, nas estrelas que não estão no céu. A luz da lua, ofuscou minha visão, e agora meus olhos são como duas luas. Tudo ficou pior! Ele tem tantos motivos para pensar que estou tentando seduzi-lo. Nem se eu tivesse a intenção...
Ele está apaixonado por mim! É isso, entendi. Ele me quer. Mas eu tenho... eu não tenho ninguém. Estou acostumada a ter alguém, a chamar alguém de meu. Ganhar carinhos sem comprar rifas ou apostar absurdos, atualizar um status de uma rede social qualquer, exalando amor. Compartilhar fotos melosas, que enjoa. Enjoar pessoas invejosas e mal amadas... Eu não posso ser uma mal amada, eu preciso de um amor. Eu não sei viver sem amor, eu não sou ninguém sem alguém! 
Como vou me apaixonar por alguém que não conheço? Preciso engolir borboletas! Para que elas possam voar dentro do meu estômago. Já derramei lágrimas de uma garota carente, esbocei um sorriso de lábios ressecados ardentes por beijos, e meus olhos estão refletindo a luz de uma lua redonda e brilhante, o que falta? 
Ai que dor! Não acredito, deu câimbra no meu pescoço! Essa dor supera todas as outras, até as que foram causadas por um cafajeste qualquer... Como vou olhar para ele, e fazer o olhar de sedução? Meu Deus! O que eu faço? 
Força, Júlia, força! Você consegue. Uau! Que estalo! Será que ele ouviu? Pera aí... Isso foi no meu pescoço? Eu acho que estou tonta, acho que vou cair..."
- Opa! - enuncia, com o único fôlego que restou ao rapaz, após aparar Júlia em seus braços.
- Acho que está na hora, em que você me beija. - sussurra, bem pertinho do seu ouvido.

2 Responses
  1. carine lira Says:

    o final foi perfeito! *-*


  2. Jairo Says:

    Pena que o literaudio não foi pra frente, curti demais editar esse texto em áudio e já é um dos meus preferidos do tanto que eu ouvi e re-li.


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