Já é a terceira noite consecutiva que a insônia me visita, e tudo se deve aos meus malditos vizinhos.
Esta casa, herdei do meu falecido avô, fora construída a partir de seu próprio suor, localizada em um terreno remoto de toda sociedade, em torno de uma linda paisagem, de arvores secas sem folhas nem frutos, de galhos pontudos e escabrosos, que ao anoitecer exalam aquele aroma, que te faz querer prende-lo dentro de suas narinas, mas quando começa a asfixiar-se o solta ligeiro, enfim suspirando.
Esse aroma o qual falei é uma mistura boa de todas as flores, que estão murchas, sobre os túmulos do cemitério ao lado.
Tal casa possui uma dimensão tão exagerada, que decidi, hospedar algum inquilino nos altos da casa. Solidariedade, companhia e dinheiro num mesmo contrato, ora.
Coloquei no anuncio do jornal, e na mesma noite, chegaram os primeiros interessados: uma mulher e um menino. Ela me contou em trinta segundos sua história. Bom, contei trinta depois que acordei.
O menino me cheirava confusão, prontamente afirmei que não gostava de nenhuma espécie de barulho, nem meus vizinhos.
Ela falou que o olho roxo do garoto não era de briga no colégio, era algumas lições de casa, e começou a rir descontroladamente.
Então fechamos o contrato e a mulher instalou-se nos altos da minha casa com seu filho.
Eu e meus túmulos vizinhos, deveríamos fazer uma festa de boas vindas. Mas eles não se manifestaram até então. Até então!
Ela era linda, deslumbrante! Maquiava com preto e vermelho e se vestia com azul fosco, em tecidos apertados e longos. Altamente excitante. O moleque, despeitado, vivia de bermudas rasgadas, camisetas sujas e sandálias arrebentadas. Formavam um belo par. Combinavam com esse lugar.
Como já diz o clichê, no começo tudo vai muito bem, tudo é muito bom... Mas, e sempre tem um 'mas', logo os defeitos surgem e as pessoas se revelam...
Já é a terceira noite consecutiva que a insônia me visita, e tudo se deve aos meus malditos vizinhos.
O Sr. e a Srª Fox, não se acostumaram com os meus novos inquilinos... Não mesmo! A Mulher adorava ouvir discos de músicas clássicas no último volume, e ordenava seu filho a dançar Ballet todas as noites antes de dormir. Suspeito que o garoto tenha quebrado suas sandálias ao fazê-las de sapatilhas. E como se não bastasse, o hobbie do garoto, nada mais era do que escutar suas músicas de METAL, balançando a cabeça e os braços como se estivesse drogado.
Para os tradicionalismo do casal Fox, aquilo era demais! Não a dança, nem o metal, e sim a falta de cortesia de não convidá-los a participarem da festa! Era como, comer banana na frente de um macaco, sem oferecer.
Assim como os macacos fariam, o casal Fox também o fez. Foram lá, em busca de um convite.
Ora, ora, também querem ver o moleque dançar Ballet.
Bateram à minha porta exatamente as três e quinze da madrugada, meu horário comercial, então os recebi com muita alegria. Permiti a subida do casal até os altos. Bateram educadamente em sua porta...
A Mulher que trajava um biquíni pequeníssimo, de coloração vermelha, e fumava um cigarro grande, estava emocionada com a musica em questão, deixando a maquiagem muito bem borrada com as quedas incessantes de lágrimas escuras. Então, ao deparar-se com o casal Fox, apenas abriu mais a porta, e voltou à sua poltrona molhada. Deu uns tapas na costa do menino e, mandou-o voltar a dançar, apenas com um olhar.
O casal, muito animado, adentrou de imediato e encostou-se atrás da poltrona encharcada. Ficou admirando o garoto e sua dança totalmente desajeitada.
Com o êxtase do momento, o casal esquecera-se de fechar a porta. Ecoando o som da vitrola por toda minha casa, inclusive meu escritório. Onde, naquele exato momento eu estava atendendo um cliente.
Era um jovem rapaz, que tinha apenas vinte anos completos. Sua mãe o deixou em minha casa, chorando horrores, parecia até que o tinha perdido. Coitada.
Conversamos muitos, eu o ajudei como pude. E então comecei o ritual.
Mas sinceramente, aquela música de suspense não deixava eu me concentrar para terminar o serviço que tinha começado. Resolvi subir e pedir para abaixarem o volume. Pois bem, a casa ainda era minha!
Meu cliente, curioso suficientemente que pediu para me acompanhar, meu coração doce e mole não poderia rejeitar o pedido de um recém chegado. Aceitei, vamos!
Subimos as escadas, e meu vestido curto, pulava de um lado para outro, atraindo a atenção do jovem rapaz. Coitado, mal sabe das coisas.
Nesse momento, meu coração sussurrou em minha mente: 'ah como queria que fosse a Mulher, no lugar dele.' Coração maldito.
Contudo, chegamos aos altos da minha casa, é valido lembrar, bati na porta aberta, como se fossem me ouvir.
Apenas o moleque que não agüentava mais repetir o Cabriole, passo predileto de sua mãe. Ao me ver, parou de dançar no mesmo momento. De imediato sua mãe, retirou o disco. Levantou-se e veio até mim. Perguntou se havia algum problema.
Eu estava tão apaixonada que não sabia o que responder, aquela mulher divina. Aquela Mulher!
O casal Fox, decidiu que a festa acabara ali, despediu-se da Mulher, do garoto, de mim, e ao topar-se com o jovem rapaz, ficaram paralisados. Não se moviam, e seus olhos ficavam vermelhos a cada respiração. O mesmo acontecia com o Jovem, só que ao invés de ficar com os olhos vermelhos, o Rapaz tremia-se da cabeça aos pés.
A Mulher perguntou ao casal se eles estavam bem. E antes que pudessem responder, voltou a deitar-se em sua poltrona ensangüentada. Colocou o disco novamente, aumentou tudo que podia, e pediu para o menino ir dormir.
O casal, lotado do espírito de vingança, juntamente com a empolgação da música ambiente, começou a atacar o Jovem Rapaz.
Eu, senti, que aquele momento era ideal para declarar-me para minha amada.
Enquanto o casal arrancava a pele, vísceras, olhos e dedos, do rapaz que acabara de chegar, riam, e dançavam o Cabriole com alguns membros do rapaz nos braços. Durante a diversão, iam desaparecendo cada vez mais. Até que sumiram.
Puderam descansar finalmente, depois de se vingarem do seu cruel assassino.
Ainda bem!
A Mulher animada com minha declaração, mandou o garoto que já se preparava para dormir, ir recolher os restos daquele espírito ali, despedaçado. E ir deixá-lo no jardim.
Ficamos só nós duas. E então, maravilhosamente, a Mulher levanta-se, me joga em sua poltrona quente e aconchegante, e começa a dançar o Cabriole para mim.
Deixando-me cada vez mais apaixonada,
Cada vez mais encantada,
Por aqueles vizinhos malditos.